quinta-feira, 26 de junho de 2014

A competência delegada da Justiça Federal

Nos meus estudos, ponto que sempre me chama a atenção e igualmente surge uma preocupação com relação à preparação dos candidatos a Juízes Estaduais é a competência delegada da Justiça Federal.
 
A preocupação tomou uma proporção desgostosa quando venho a saber que um colega propôs demanda no foro estadual ante a permissiva constitucional que relatarei abaixo e o magistrado declina competência e ainda realiza comentários indelicados ao profissional (postura que, por sinal, será objeto de desagravo na OAB).

Primeiramente vamos explicar do que se trata o assunto.

A Constituição Federal traça em seus artigos 108 e 109, a competência da Justiça Federal, ou seja, aponta quais matérias ou pessoas estão sujeitas à apreciação pelos Juízes e Tribunais Federais quando da necessidade de intervenção jurisdicional à pretensão resistida.

Temos por exemplo a regra-base de que será competente o juiz federal para analisar as lides em que figurarem na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes a União, entidade autárquica ou empresa pública federal.

Agora, se atualmente muitas cidades não dispõem de sede da Justiça Federal para julgar tais ações, imagine à época em que foi promulgada a Constituição Federal, em outubro de 1988, há mais de 25 anos!!

Com a preocupação de que a justiça chegue a todos os brasileiros e estrangeiros que se encontrem no território nacional, a Constituição Federal traz três instrumentos para ampliar o acesso à justiça.

O primeiro, trazido na regra do § 1º. do artigo 109, consiste na obrigação da União e assemelhadas, quando autoras, ajuizar suas demandas no domicílio da outra parte (...ou, imagine que legal se vc tivesse que responder em Brasília, onde fica a sede da União...percebe a utilidade?).

O segundo instrumento de amplitude da Jurisdição Federal encontra-se no parágrafo seguinte ao acima relatado (art. 109, § 2º, CF.88) onde este privilegia o cidadão com a oportunidade de ajuizar contra a União e assemelhadas no local onde for domiciliado, ou onde ocorreu o fato que justifica a ida ao Judiciário, ou então se desejar, no Distrito Federal.

Excelentes instrumentos, não acha?
Mas e se na minha cidade não tem Justiça Federal? Como diria certo humorista: E agora José?

Antes de esclarecer o terceiro instrumento, e foco desta postagem, vou te explicar como é a organização da Justiça Federal:

a) O Brasil é dividido (atualmente) em cinco regiões, onde cada uma possui um Tribunal Regional Federal.
b) Cada Tribunal Regional Federal possui jurisdição em determinados números de Estados-Membros, os quais são denominados Seção Judiciária (cuja sede é a capital do mesmo).
c) Cada Seção Judiciária é composta por Subseções Judiciárias... e elas englobam diversos municípios, sendo escolhido um deles para ser a sede da Subseção.

Vejamos um exemplo:
 
* A Região Sul é atualmente composta pelos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e todos compõem a 4ª Região. Daí que o Tribunal Regional Federal (TRF) dessa região é conhecido por TRF4.
* O Estado do Paraná é uma Seção Judiciária deste TRF4, e sua sede é Curitiba-PR.
* A Seção Judiciária do Paraná é dividida em várias Subseções, das quais temos Ponta Grossa, Guarapuava, União da Vitória, Campo Mourão, Maringá, etc.
*Cada uma dessas subseções judiciárias (que levam o nome de suas cidades-sede, respondem por vários municípios).

Mas, considere a dimensão continental de nosso País. É muito fácil compreender que existem Subseções Judiciárias com diversos municípios, alguns inclusive distantes entre si e, principalmente, da sede da Subseção.

É por isso que temos o terceiro instrumento de amplitude de acesso à jurisdição federal, mas realizada de forma delegada, como se identifica no § 3º, do artigo 109, da Constituição Federal, onde se lê:

"Art. 109.
(...)
§ 3º Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual."


Desta forma, a Constituição Federal delega para o juiz estadual, o processamento e julgamento das causas que envolvam a Previdência (art. 201, CF) e a Assistência Social (art. 203, V, CF), que seriam em regra da Justiça Federal, mas TÃO SOMENTE quando não for sediado na comarca, o Juízo Federal.
 
Observe que a Constituição GARANTIU tal benesse mas não exortou outras possibilidades, na medida em que deixa ao critério do legislador ordinário a delegação de outras matérias.
 
É por isso que a Lei nº 5010/66, que trata sobre a organização da Justiça Federal de 1ª Instância disciplina, em seu artigo 15, as seguintes hipóteses de delegação ao juízo estadual nas comarcas do interior onde não funcionar Vara da Justiça Federal, a competência para processar e julgar
a) os executivos fiscais da União e de suas autarquias, ajuizados contra devedores domiciliados nas respectivas comarcas;
b) as vistorias e justificações destinadas a fazer prova perante a administração federal, centralizada ou autárquica, quando o requerente for domiciliado na Comarca;
c) as ações de qualquer natureza, inclusive os processos acessórios e incidentes a elas relativos, propostas por sociedades de economia mista com participação majoritária federal contra pessoas domiciliadas na Comarca, ou que versem sôbre bens nela situados
 
Desta forma, nas hipóteses acima aventadas, o juiz estadual deverá ter aptidão e compreensão técnica para processar e julgar tais causas. O candidato ao cargo raramente se atenta a isso e estranha sobremaneira se questionado a respeito ou, quando já em exercício, vê distribuída ação que compreendia ser exclusivamente de competência da Justiça Federal
 
Enfim, vejam o que se ocorreu com o nobre colega advogado.
Sapiente disso tudo ajuizou, no foro estadual, a demanda pelo permissivo constitucional... ante a falta de preparo do magistrado... deu no que deu.
 
Torço que isso não se repita.
 
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) fez levantamento com as Justiças Estaduais para saber a quantidade de processos em tramitação através da delegação constitucional de competência federal, e especialistas tem defendido a sua gradual extinção, ou limitação legal de seu exercício. (fonte: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/27709:especialistas-defendem-extincao-da-competencia-delegada-da-justica-estadual)
 
No que toca às hipóteses lançadas no artigo 15 da Lei 5010/66, não vejo qualquer óbice, sendo favorável que exista uma limitação em razão da distância entre o domicílio do autor e a sede de Justiça Federal, para evitar grandes deslocamentos e contrariar o preceito constitucional de acesso à justiça.
Agora, com relação às causas previdenciárias e assistenciais, só vejo a possibilidade de tal alteração mediante a proposta, aprovação e promulgação de competente Emenda Constitucional, ante a normativa do § 3º, do artigo 109, da Constituição Federal.
 
Esperemos os próximos capítulos...
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